Médicos e cientistas realizam encontro sobre uso da maconha medicinal

Encontro na AMRN na noite dessa terça-feira, 12, serviu para que os especialistas aprofundassem o debate e tirassem dúvidas quando a
possibilidade de prescrição da planta.

Cientistas do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN) estiveram na Associação Médica do RN (AMRN) na noite desta terça-feira, 12, para discutirem sobre o uso da maconha medicinal. O neurocientista Sidarta Ribeiro, diretor do ICe, mostrou uma série de estudos e evidências que comprovam a utilização das substâncias da cannabis sativa para o controle de inúmeras patologias.

O objetivo do encontro foi promover a aproximação desta discussão com o establishment médico, no sentido de reduzir as barreiras que os impedem de prescreverem a cannabis. Porém, a reação dos presentes mostrou que há ainda muito caminho a percorrer.

A grande questão levantada foi em relação aos testes clínicos. “O médico, querendo ou não, é como São Tomé. A gente precisa tocar para acreditar. Em nosso caso, nos referimos aos ensaios clínicos”, diz Túlio Vasconcelos, presidente da Sociedade Potiguar de Neurologia.

A preocupação, segundo Túlio, é que eles não sabem qual será o desfecho do que vai acontecer com o paciente. “E se ele desencadear alguma outra doença neurodegenerativa por uma substância que
estamos usando sem ter ainda os estudos em nível 3 de evidência, por exemplo?”, questiona.

Para Sidarta Ribeiro, este comportamento, mostra uma divergência a respeito da quantidade de evidências existentes para se começar a utilizar a cannabis como medicamento. “Ficou claro que se os cientistas e médicos não se aproximarem neste momento, os pacientes vão continuar correndo em raia própria buscando tratamentos sem que o establishment médico se apresente, seja para regulamentar, seja para discernir seus efeitos,
porque dizem que não existem evidências”, critica.

Cientistas do Instituto do Cérebro lembram que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já reconhece a maconha como planta medicinal. Em decisões recentes, o órgão incluiu o THC (tetrahidrocanabinol) e o CDB (Canabidiol) na lista de substâncias que têm controle especial da agência reguladora.

No rol de doenças autorizadas para tratamento com uso da maconha, estão, entre outras, a anorexia, depressão, autismo infantil, fibromialgia, esclerose, distonia, dores crônicas, espasticidade muscular, paralisia cerebral, esquizofrenia, dores neuropáticas, Parkinson e transtorno do desenvolvimento.

Túlio reconhece que existe ainda muito preconceito, mas argumenta que a cannabis sativa tem mais de 90 derivados, dentre eles alguns que podem causar psicopatia.

Na perspectiva de Sidarta, existe um ciclo vicioso do médico que diz  não aplicar a maconha porque não tem evidências. Por outro lado, pacientes estão aplicando com ou sem orientação médica. “Então, a maneira de tornar esta relação mais funcional e saudável é aproximar médicos, cientistas e pacientes para que este uso seja feito de forma compassiva. Isso precisa ser um motivador para que os estudos sejam feitos e aprofundados”, argumenta.

O neurocientista reclama ainda do medo dos médicos devido terem pouco conhecimento sobre o tema. “Minha impressão é que o material apresentado aqui é bastante novo para a maioria das pessoas que vieram”, reforçou. Entre  trabalhos mostrados, existem documentos do século 19 falando sobre o uso medicinal da planta.

Ainda segundo Sidarta, a ciência a espera da classe médica mais curiosidade e menos preconceito para se poder atender a urgência dos pacientes. “Se a classe médica se comportar como conservadora, deixará a esta responsabilidade nas mãos dos profissionais que superam o preconceito e já estão prescrevendo ou, o que é pior, na dos traficantes que se aproveitam para lucrar diante do antiproibicionismo”, completou.

 

UFRN

Para  o pró-reitor de Pesquisa, Jorge Falcão, esta foi uma discussão histórica. “Esta é uma questão de sociedade, uma questão acadêmica, científica, jurídica, ou seja, de múltiplos aspectos e tudo isso precisa ser levado em conta”, disse.

Ele defende a necessidade de dar atenção à peculiaridade da pesquisa clínica que envolve cuidados éticos importantes. Por outro lado, lamenta as barreiras impostas ante um significado social suscitado na utilização de uma planta que, apesar de tantas discussões e avanços no mundo, ainda está no centro de uma situação de contravenção penal aqui no Brasil.

Há uma série de evidências inegáveis sobre os efeitos terapêuticos desta planta que são realmente impressionantes em relação ao que é indicado atualmente como tratamento convencional. Por outro lado, existe a questão da responsabilidade médica, o que foi importante no debate. É como se os médicos demonstrassem interesse, mas por estarem no front em relação aos pacientes, não acham possível avançar sem que se cumpra algumas etapas essenciais para resguardar suas decisões”, disse Jorge Falcão.

O pró-reitor comemora o resultado do evento, destacando a honestidade de parte a parte – médicos e cientistas – como fundamental para ponderar sobre questões importantes para os aspectos que estão em debate.