Diagnóstico precoce

Estudo identifica esquizofrenia antes de paciente desenvolver quadro psicótico

Marcelha Pereira e José de Paiva Rebouças – Sala de Ciências

Há alguns anos, a psiquiatra e neurocientista Natalia Mota, pós-doutoranda do Instituto do Cérebro (ICe/UFRN), trabalha num sistema de análise da fala para auxiliar no diagnóstico de pacientes com esquizofrenia. Testes anteriores permitiram fechar o diagnóstico com pacientes ainda em seu estágio inicial, porém, novo estudo publicado pela revista Schizophrenia Research mostrou que é possível identificar o distúrbio em pacientes que sequer passaram pelo primeiro quadro da psicose. 

Os resultados observados a partir da análise de pacientes da Escócia (UK) mostraram que o transtorno formal do pensamento, característica dos transtornos psicóticos, está presente de formas sutis antes do início dos primeiros sintomas em indivíduos com alto risco clínico. Amostras de fala foram obtidas por meio do Índice de Pensamento e Linguagem em 24 participantes com alto risco clínico de psicose, 16 com primeiro episódio de psicose e 13 sem nenhum sintoma psiquiátrico. Assim, no grupo com pessoas com maior propensão para a esquizofrenia, pontuações mais baixas em duas medidas de conexão da fala foram associadas à transição futura para psicose.

“Analisamos não apenas pacientes em primeiro episódio de psicose, mas pacientes com alto risco de desenvolver psicose antes do primeiro surto, numa fase ainda mais precoce que no primeiro surto. A importância de identificar esses pacientes em um momento tão precoce é justamente ter uma oportunidade de prevenção nesse primeiro surto que costuma ser já bastante deletério em termos de cognição social”, afirma Natalia, única brasileira no estudo realizado por 14 pesquisadores internacionais.

A Escócia é o terceiro país a testar a teoria em que Natalia trabalha. Além do Brasil, ela havia experimentado o sistema com sucesso em pacientes da Inglaterra. Essa, no entanto, é a primeira vez que se consegue identificar o transtorno em fase tão precoce. “Mostramos que esses aspectos de conectividade da fala são marcadores importantes e viáveis de serem utilizados mesmo nesses estágios precoces e podem diferenciar aqueles sujeitos que convertem e fazem o primeiro episódio daqueles que nem vão chegar a fazer um episódio de psicose”, comentou Natália.

A análise da estrutura da fala para o diagnóstico de esquizofrenia em pacientes é possível por meio do sistema de grafos de fala, técnica desenvolvida pelo ICe/UFRN em parceria com o Departamento de Física da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). De acordo com Natalia Mota, avaliar a produção da fala logo nos estágios iniciais pode ser útil para prever a transição posterior para a psicose. “A gente segue nessa linha de investigação não só vendo os aspectos patológicos, mas também os aspectos de desenvolvimento cognitivo”, explica. 

O sistema de grafos de fala

Estudos mostram a aplicabilidade dos métodos de análise de grafos na caracterização da conexão da fala nas fases iniciais da psicose. A abordagem é mais objetiva e eficiente para diagnosticar indivíduos com esquizofrenia, em comparação a técnicas subjetivas utilizadas por profissionais de todo o mundo.

“Usando a teoria de grafos para fazer o estudo dessa trajetória de palavras, a gente tenta quantificar os aspectos de desordem da forma do pensamento, mas de outra maneira. Ao contrário da subjetividade de um profissional que vai avaliar se o paciente está mais ou menos grave, olhamos para o objeto em si, que é o próprio relato do paciente, e vendo como aquela trajetória da fala está mais ou menos conectada”, diz a pesquisadora. 

Isso é feito por meio de um programa de computador, o Speechgraphs, que permite a criação de gráficos enquanto o paciente é ouvido pelo médico. Esse sistema utiliza os mesmos aspectos avaliados pelo profissional de maneira subjetiva, mas cria um desenho objetivo deste relato.

Representação do sistema de grafos usado na pesquisa

Apesar de, à primeira vista, esse desenho parecer complexo, ele é formado de uma maneira bastante explicável: cada nó, ou bolinha, representa uma palavra. A sequência entre essas palavras se dá por setas que orientam o caminho percorrido pela fala dos pacientes coletada por meio da contação de história. Quando alguém sem dificuldade na formação do pensamento conta uma história, esses nós e setas passam por caminhos mais longos, com setas retomando para nós (palavras) já falados e fazendo conexões entre assuntos, que vão formando círculos que se conectam.

Já no relato de pacientes que apresentam risco para desenvolvimento de uma psicose e daqueles que apresentaram um primeiro quadro, os círculos interligados de retomada de assuntos e conexão entre o que é falado são inferiores. Isso mostra uma menor conectividade da fala, consequentemente uma maior fragmentação do discurso, causada pela dificuldade em reter detalhes completos da história na memória.

Passos futuros

Outras pesquisas e testes a partir do sistema de grafos da sala estão em andamento para serem realizados com a colaboração de pesquisadores de outros países. Natalia, que também participa da Sociedade Internacional para Pesquisas em Esquizofrenia, procura estabelecer um consórcio entre países para coleta de dados de pacientes por meio do desenvolvimento de um aplicativo.

O objetivo é que esse aplicativo possa ser utilizado por diferentes grupos de pesquisas para ampliar a rede de colaboração. Com essas parcerias, será possível ter acesso a dados, enquadrados dentro de um mesmo sistema de grafos, que apresentem um panorama dos pacientes de diferentes regiões do mundo.

Em busca de uma inserção social de qualidade

Natalia Mota é uma das 14 pessoas que trabalharam neste estudo

Natalia Mota explica que medicamentos são efetivos para diminuir os sintomas como alucinações ou delírios e preservar a cognição, daí a importância da identificação precoce e da nova descoberta de diagnóstico em estágio ainda mais cedo. Porém, aspectos ligados ao social e ao comportamento em sociedade também são essenciais. 

“A gente treina cognição social se relacionando, com amigos, família. É importante que esses sujeitos não sejam isolados, mas acolhidos dentro de sua forma de ver e estar no mundo. Ampliar os espaços de convivência em que sejam trabalhados os aspectos negativos da estigmatização e que as características sejam compreendidas e aceitas pela sociedade como maneira de variabilidade do comportamento e não patologizadas ou vistas como diferentes são extremamente importantes para reabilitação social dessa situação”, conclui  a pesquisadora.

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