O perigo do turismo de células tronco

O desenvolvimento de tecnologias que utilizam células tronco trouxe diversos avanços para a medicina. Para estes tratamentos serem utilizados é preciso comprovar a seus efeitos através de testes científicos. Além da validação científica, o projeto tem que ser aprovado pela legislação do país onde o tratamento está sendo realizado. E ai, se aproveitando de legislações frouxas de certos países, diversas empresas comercializam terapias de eficácia duvidosa.

Lemos no “Tribuna do Norte” uma reportagem (http://tribunadonorte.com.br/noticia/tratamento-pode-reverter-doena-a-de-pedro-gabriel/317685) sobre o caso do menino Pedro Gabriel, com uma má formação de tubo neural (a mielomelingocele), o que me motivou a prestar alguns esclarecimentos sobre o uso das células tronco no tratamento de doenças.

Quando ainda somos embriões, nosso sistema nervoso é formado por uma camada de células que se dobra em um tubo, o tubo neural, nosso futuro sistema nervoso central. Quando o tubo neural falha em fechar, muitas vezes, este tecido fica exposto para o exterior do corpo e entra em degeneração. Defeitos no fechamento do tubo anterior, a anencefalia, levam à morte do embrião. Já as falhas mais caudais levam a defeitos na inervação dos membros inferiores e de órgãos, como a bexiga. Pacientes com esse problema geralmente sobrevivem e podem viver muitos anos com algumas limitações.

Não existe uma terapia que comprovadamente cure estes sintomas ou mesmo os amenize por meio de células tronco. Na reportagem, a família relata se esforçar para levar seu filho para o tratamento no Better Being Hospital, que utiliza a tecnologia criada pela Beike Biotechnology. Essa técnica consiste em injetar células tronco de cordão umbilical no paciente – material que não gera naturalmente neurônios, esperando que elas melhorem a função dos neurônios que restaram.

No site do hospital, é possível verificar o relato de dois pacientes que viajaram até a Tailândia para receber o tratamento para mielomelingocele, os quais dizem ter melhora moderada meses após o retorno para os respectivos países. Esta seria a única comprovação da eficácia do tratamento. No entanto, estes são apenas relatos do que as famílias acham que aconteceu, ou seja, não há comprovação científica. Os pacientes podem ter melhorado por outras causas, como a fisioterapia, efeito placebo ou por que iriam melhorar sem tratamento mesmo. Fora isso, como trata-se de uma empresa tentando vender um produto, a probabilidade de encontrarmos possíveis casos em que não houve resultados ou houve efeitos adversos neste website é praticamente nula.

Vale a pena lembrar que o tratamento oferecido é um transplante heterólogo, o que significa que as células transplantadas não vêm do paciente, mas de um doador. Dessa maneira, o paciente terá que tomar imunossupressores que podem abrir portas para novas doenças. Além disso, como não houve pesquisas prévias, não se sabe os efeitos colaterais que podem ser causados.

Infelizmente, ainda não há um tratamento eficaz com células tronco para crianças com defeitos de tubo neural, somente os já disponíveis em hospitais referência em nosso estado, como o Hospital Infantil Varela Santiago. Este tratamento vendido pelo hospital tailandês nunca será realizado em território brasileiro sem que os devidos testes sejam feitos e os resultados comprovados. Essa é uma garantia conquistada por meio da Lei de Biossegurança (Lei no 11.105, de 24 de março de 2005).

No Brasil, há uma grande comunidade de cientistas competentes que estudam a biologia das células tronco, sendo esses pesquisadores brasileiros capazes de orientar a população.

Eduardo Bouth Sequerra, PhD