A mente humana pelo fio condutor do sonho

Sidarta Ribeiro, mestre em biofísica, desvela o universo dos sonhos

Por ANA ELIZABETH DINIZ | O TEMPO

O  título do livro entrega sobre a riqueza do universo onírico. Sonhos podem ser considerados oráculos? Sim. Os sonhos evoluíram nos mamíferos como oráculos probabilísticos, verdadeiras simulações de futuros possíveis. Desde que nossos ancestrais começaram a registrar por escrito seus pensamentos, há cerca de 4.500 anos, documentou-se abundantemente o enredo onírico sobre o que ainda vai acontecer, bem como sobre como proceder para interferir no futuro mediante comportamentos representados em sonho.

Sonhos já definiram guerra e paz, tratados, tomadas de decisões. Afinal, para que servem os sonhos? Os sonhos foram selecionados positivamente ao longo da evolução como um processo fisiológico que permite perscrutar o horizonte de possibilidades do futuro. Por essa razão, estiveram no centro do fato social durante toda a Antiguidade e a Idade Média e continuam a ocupar esse lugar central entre povos caçadores e coletores. Esses povos reconhecem nos sonhos a capacidade de prever o futuro, seja de forma regularmente acessível ao sonhador comum, seja por meio de sonhos reveladores em momentos de vida especialmente significativos, ou ainda através de sonhos xamânicos estimulados por ritos de iniciação, cura ou orientação espiritual.  Entretanto, hoje em dia, a sociedade industrial já não reserva nenhuma função para o sonho, que termina se configurando num oráculo quebrado. É preciso resgatar a função onírica.

Ao avaliar o universo onírico ao longo da história da humanidade, o senhor  vê evolução ou involução no comportamento humano?  Estamos nos afastando perigosamente da introspecção onírica e correndo o risco de uma aceleração tecnológica desprovida da sabedoria dos sonhos. É um momento perigoso de alienação da subjetividade, que precisa ser revertido. 


O que são sonhos lúcidos? São sonhos muito intensos e vívidos, durante os quais a pessoa que sonha tem consciência de que está sonhando e pode controlar o enredo. São sonhos potencialmente deliciosos que permitem a navegação consciente do inconsciente. Povos ameríndios, aborígines australianos, iogues tibetanos e monges cristãos são mestres da navegação onírica. Estar consciente de estar sonhando é uma condição necessária para iniciar jornadas transformadoras. Entre os mapuches, sonhar que se está sonhando indica muita vitalidade da alma. São sonhos de profundo impacto emocional, com fortalecimento da sensação de autonomia e grande empoderamento do sonhador.

Os sonhos lúcidos podem apontar soluções para a humanidade? Precisamos urgentemente recuperar a capacidade de imaginar as piores consequências de nossos hábitos mais arraigados. A ciência dos biólogos, dos químicos e dos físicos precisa caminhar de braços dados com a sabedoria dos xamãs e dos iogues, jamais contra ela. Em sua amplidão, o sonho lúcido tem potencial para ser o espaço mental que nos permitiria imaginar soluções para os problemas mais desafiadores, da destruição dos mananciais à dicotomia entre mente e cérebro, da epidemia de suicídio ao desmatamento acelerado das florestas que restam, da desigualdade extrema à corrupção generalizada, do vício mais destrutivo de todos – o dinheiro – até o acúmulo de microplásticos, da hecatombe da criação e do abate cruel de animais até o fim de quase todos os empregos, muito em breve, quando os robôs concluírem sua chegada triunfal. 


Sonhos lúcidos podem evitar um futuro catastrófico?
Se evitarmos o cataclismo, talvez seja justamente no campo da imaginação ativa, em pleno sonho lúcido, que se encontre o local mental adequado para fazer a maior pergunta de todas: por que existe a realidade? Estamos vivendo num sonho, numa simulação? Daquilo que ocorreu antes do Big Bang, o papa sabe tanto quanto o melhor astrofísico: nada. Alguns insistem em dizer que essa pergunta nem faz sentido, pois antes do Big Bang não existiria o tempo. 

Como é que do nada veio tudo? Nascemos, vivemos e morremos em absoluta perplexidade metafísica, pois simplesmente não temos respostas. Provavelmente, quase certamente, jamais teremos, mas talvez, apenas talvez. É possível que a compreensão de fenômeno tão misterioso e arbitrário quanto a própria existência do espaço-tempo e dos objetos do universo exija, além de viagens intergalácticas, uma viagem interior muito mais profunda. Olhar para dentro, em destemida abdução rumo ao vertiginoso abismo da consciência, talvez seja tão revelador quanto olhar para fora pelas lentes dos microscópios e telescópios. No futuro, sonhar será cada vez mais um clarão.

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