Estudo descreve associação entre forma e atividade do cérebro em crianças microcefálicas

À medida que crianças com microcefalia causada pela infecção congênita pelo vírus zika, crescem, questões importantes sobre o seu desenvolvimento cerebral aparecem. Uma delas é o desenvolvimento de epilepsias. Estudos prévios mostraram que aproximadamente dois terços dessas crianças podem apresentar crises recorrentes no primeiro ano de vida. Epilepsia, uma desordem neurológica comumente observada durante o desenvolvimento do paciente, é caracterizada por crises resultantes da atividade cerebral anormal, transiente e descontrolada. As razões para a maior suscetibilidade em certas crianças com microcefalia derivadas de vírus zika são desconhecidas.

Pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN) acabaram de publicar artigo na eClinicalMedicine, revista de livre acesso do grupo Lancet, em que eles correlacionam padrões de atividade cerebral com características da sua forma. O estudo descreveu que a presença de atividade cerebral comum em pacientes epilépticos possui maior chance de aparecer em pacientes que possuem calcificações, maior redução do volume do cérebro e atrofia de estruturas como o tronco encefálico e o cerebelo. Também mostra que o desenvolvimento de fusos do sono, uma oscilação essencial para o desenvolvimento cerebral e a consolidação de memórias, estava prejudicado em pacientes com epilepsia.

Para medir a atividade cerebral, os pesquisadores analisaram registros de eletroencefalografia (EEG), técnica comum e não-invasiva utilizada para registrar a atividade elétrica do cérebro e amplamente empregada para auxiliar o diagnóstico de desordens cerebrais, incluindo epilepsias. Já as características da forma do cérebro foram obtidas por tomografia computadorizada (TC) que produz múltiplas imagens de raio-X do cérebro, permitindo a reconstrução 3D da sua estrutura macroscópica.

Através da combinação desses exames, eles observaram ainda uma nova oscilação durante o sono, de 6 Hertz, que não havia sido descrita antes. “Não sabemos, por enquanto, qual é o significado desta atividade, nem sua relevância clínica. Estas são questões que queremos responder no futuro. Acreditamos que estas observações podem nos ajudar a entender o espectro de apresentações clínicas na síndrome do vírus zika congênito”, disse Claudio Queiroz, que coordenou o grupo de pesquisadores.

Neste trabalho, os pesquisadores do ICe colaboraram com outros do Hospital Pediátrico (Hosped), Centro de Imagem e Instituto de Medicina Tropical, todos da UFRN, para ter acesso aos dados e testar a hipótese de uma associação entre a estrutura cerebral e sua função. O Hospital Pediátrico mantém um serviço de ambulatório que acompanha dezenas de pacientes com microcefalia derivada de vírus zika, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Passos futuros

Os resultados deste artigo são baseados em achados obtidos durante o primeiro ano de vida e um número pequeno de pacientes de um único centro de saúde. Os pesquisadores acreditam que um estudo mais extensivo, realizado em colaboração com outros centros e com mais pacientes, trará mais respostas a perguntas que ainda persistem.

“É importante observar que existem características macroscópicas que estão especificamente associadas a epilepsias, mas isso não quer dizer que elas sejam a causa. Nossa interpretação é que elas estão associadas a um grau mais severo, representando a ponta do espectro da síndrome”, reforça Eduardo Sequerra, primeiro autor no artigo.

Durante este trabalho, o ICe demonstrou a relevância das colaborações. Agora, está em colaboração com grupos de São Luís (Maranhão) para testar se seus achados são reproduzidos em outro grupo de pacientes. “No Brasil, a pesquisa clínica se beneficia enormemente de um sistema unificado que pode computar estatística, recomendar protocolos médicos e prover tratamento adequado. Este estudo só foi possível graças ao SUS. Nosso conhecimento sobre a relação entre a estrutura cerebral e sua função em síndromes neurológicas específicas somente avançará se o SUS for fortalecido na nossa sociedade por forças políticas”, completa Claudio Queiroz.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *