UFRN terá primeiro laboratório de vírus do Norte-Nordeste

Projeto do neurocientista Tarciso Velho do Instituto do Cérebro da UFRN recebeu financiamento de empresa norte-americana para implantar primeiro centro multiusuário de produção e distribuição de vetores virais.

Não é fácil fazer pesquisa no Brasil. O excesso de burocracia para importar insumos e o baixo orçamento limita muito o avanço dos estudos. Isso acaba forçando pesquisadores a trilharem caminhos conflituosos sendo, muitas vezes, obrigados a buscarem apoio em instituições e laboratórios fora do país. A pesquisa biomédica é uma das mais afetadas neste cenário, mas um projeto da UFRN em parceria com Seeding Labs, com sede em Boston (EUA), tende a reduzir as barreiras e limitantes na produção e distribuição de uma importante demanda, a de vetores virais.

     Projeto do neurocientista Tarciso Velho, chefe do Laboratório de Neurogenética do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN), foi selecionado entre os 13 no mundo para receber equipamentos científicos do Programa de Acesso Instrumental 2019 patrocinado pela Seeding Labs.

       A proposta permitirá a implantação de um centro multiusuário de produção e distribuição de vetores virais recombinantes focados, não limitados, capaz de desenvolver vírus adeno-associados (AAV), retrovírus (lentivírus e moloney) e vírus da raiva deficiente de replicação, amplamente utilizados pelas pesquisas biomédicas. A iniciativa que será realizada no ICe-UFRN, tem ainda a obrigação de qualificar novos pesquisadores desta área.

       Segundo Tarciso Velho, não existem serviços comerciais que forneçam vetores virais empacotados no Brasil, ao mesmo tempo que há um déficit de instalações com infraestrutura e conhecimento para produzir preparações virais de alta qualidade.

Além disso, os procedimentos de importação e inspeção aduaneira do país, para bens importados que precisam de tratamento especial, são burocráticos e criam um verdadeiro pesadelo logístico para os pesquisadores. Os reagentes podem levar meses para chegar às bancadas de laboratório, o que é incompatível com produtos perecíveis como vetores virais.

      Na visão do pesquisador, o acesso rápido e fácil a vetores virais personalizados é uma necessidade crucial para continuar desenvolvendo pesquisas biomédicas na região. “Mais importante ainda, como os vetores virais desempenham um papel tão central na pesquisa de ponta, o treinamento de pessoal qualificado para preparar e usar essas ferramentas deve ser parte integral do desenvolvimento acadêmico discente”, completou Tarciso Velho.

            Seu pensamento é compartilhado pela diretora do ICe-UFRN, Kerstin Schmidt. Para ela, pesquisas deste porte são importantes para manter os pesquisadores em solo nacional.  “Para os estudantes locais, a iniciativa significará ter acesso a uma educação internacionalmente competitiva em uma universidade pública no Nordeste do Brasil, em vez de esperar pela primeira oportunidade de deixar o país para melhores condições de trabalho e formação científica”, afirma.

Vetores virais

Vírus são capazes de entrar e usar a célula para expressar seu material genético. Em laboratório, é possível aproveitar esta capacidade e produzir, in vitro, partículas virais recombinantes, manipuladas para garantir a segurança dos modelos animais, desde aves até primatas, e do pesquisador que expressa algo de interesse.

Segundo Tarciso Velho, a capacidade de introduzir material genético em células e tecidos usando vetores virais revolucionou a pesquisa biológica. Além disso, vetores virais recombinantes facilitaram a geração de animais transgênicos e alguns até já foram aprovados para terapia gênica em humanos.

“Graças a esses vetores, agora somos capazes de manipular geneticamente células em tecidos intactos com especificidade celular e controle temporal, com alguma flexibilidade de cargas, usando equipamentos de baixa tecnologia e a custos relativamente baixos, tornando-os dessa forma uma ferramenta amplamente usada entre pesquisadores”, explica.

Tarciso explica ainda que para os cientistas biomédicos, os vetores virais tornaram-se quase uma necessidade em sua caixa de ferramentas. No caso da neurociência, por exemplo, uma rápida olhada nos periódicos de maior prestígio do campo mostra que grande parte dos atuais artigos publicados usam ferramentas virais.

“Os neurocientistas agora são capazes de introduzir marcadores para identificar e rastrear células no sistema nervoso, manipular genes endógenos com pequenos RNA’s de interferência ou enzimas de edição de DNA, alterar a atividade neuronal através da entrega de canais ativados por ligantes ou por luz, e monitorar a atividade neuronal com sensores geneticamente codificados, entre muitas outras coisas”, concluiu Tarciso Velho.

A pesquisa do Tarciso

Há mais de uma década o neurocientista Tarciso Velho vem trabalhando em uma pesquisa que visa entender o mau funcionamento do cérebro na presença de genes defeituosos associados a defeitos no aprendizado vocal, relacionado à gagueira e ao autismo.

Para alcançar seu objetivo, ele vem desenvolvendo um sistema modular de linhagens transgênicas de pássaros canoros com objetivo de modificar genes endógenos a serem usados como modelos genéticos para sua pesquisa.

O trabalho ganhou tanta dimensão que foi um dos 65 no Brasil selecionados em 2017 para receber financiamento do Instituto Serrapilheira, primeira instituição privada do país dedicada exclusivamente ao fomento científico. Sua experiência com este tipo de pesquisa foi que o fez estar entre os 13 no mundo selecionados pelo Acesso Instrumental 2019.

“A capacidade de executar rotineiramente manipulações genéticas em aves canoras abrirá oportunidades inigualáveis para estudar a relação entre genes e função cerebral em uma espécie animal com um repertório comportamental robusto. Pássaros canoros transgênicos nos permitirão gerar modelos animais mais precisos para estudar distúrbios de comunicação”, finalizou Tarciso Velho.

O projeto

Ao todo, 49 instituições de 22 países enviaram propostas para o Seeding Labs, mas apenas 13 foram selecionados em todo o mundo. Cada candidato precisou demonstrar de que maneira uma infusão de equipamentos científicos modernos removeria as barreiras para a pesquisa e a educação em sua instituição de trabalho.

As pesquisas financiadas incluem doenças infecciosas, medicina personalizada, segurança alimentar, biocombustíveis, qualidade da água, fitoterápicos, agricultura, manufatura têxtil e distúrbios da comunicação.

O anúncio dos ganhadores do Acesso Instrumental 2019 foi feito durante “Positively Instrumental”, evento anual da Seeding, realizado no dia 1º de maio em Boston, Massachusetts, EUA.

A Seeding Labs é uma organização não governamental dedicada a capacitar cientistas. Ao longo de sua história, construiu uma coalizão de mais de 140 parceiros dos setores público e privado para fornecer aos cientistas dos países em desenvolvimento equipamento de laboratório, treinamento e oportunidades para colaborar com especialistas em seu campo e usar esses recursos vitais para melhorar a educação, pesquisa e desenvolvimento Econômico.

Até o momento, a Seeding Labs embarcou 216 toneladas de equipamentos de laboratório para 70 instituições em 34 países ao redor do mundo.

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