Pesquisa desenvolvida no ICe-UFRN abre novas possibilidades para a conversão de células gliais em neurônios

Marcos Costa é médico e neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN)

 

Pesquisa do médico e neurocientista do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe-UFRN), Marcos Costa, publicada na revista Scientific Reports, do grupo Nature, pode contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias que objetivam a conversão de células gliais em neurônios no cérebro de indivíduos adultos.

Com o título “Specific Phospholipids Regulate the Acquisition of Neuronal and Astroglial Identities in Post-Mitotic Cells”, o trabalho foi desenvolvido em colaboração com pesquisadores do Instituto de Biología Molecular y Celular de Rosario, Argentina, e recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Programa Binacional de Terapia Celular (PROBITEC).

A pesquisa demonstrou que dois lipídeos comuns em nosso organismo, a fosfatidilcolina e a fosfoetanolamina, podem influenciar a diferenciação de células neurais em neurônios ou astrócitos (células gliais), respectivamente.

Tanto a fosfatidilcolina quanto a fosfoetanolamina são lipídeos importantes para a composição de membranas celulares, mas também são considerados lipídeos bioativos, devido ao seu papel de sinalização celular.

“Nossos experimentos indicam que a adição destes lipídeos em culturas de células-tronco neurais ativa vias de sinalização específicas, induzindo a aquisição do fenótipo neuronal ou glial pelas células em diferenciação. Enquanto a adição de fosfatidilcolina aumentou a geração de neurônios, a suplementação com fosfoetanolamina favoreceu a geração de astrócitos”, explica Marcos.

Segundo o cientista, é importante destacar que estes efeitos dos lipídeos bioativos não ocorrem em células-tronco ou progenitores neurais. Isso seria o mais esperado, considerando que praticamente toda a literatura na área de Neurobiologia assume que células progenitoras neurais já estariam comprometidas com a geração de neurônios ou glia.

“Ao contrário, os experimentos mostram que tanto a fosfatidilcolina quanto a fosfoetanolamina atuam em células que já saíram do ciclo celular e estão em fase inicial de diferenciação, indicando que uma célula pós-mitótica, em suas fases iniciais de diferenciação, pode ser direcionada por sinais externos – no caso, concentração de lipídeos bioativos – para um fenótipo neuronal ou glial”, explica.

 

Cultura de células-tronco neurais após sete dias de expansão e três de diferenciação celular. Processamento imunocitoquímico revela a presença de neurônios contendo a proteína betaIII-tubulina (vermelho), astrócitos com a proteína GFAP (verde) e oligodendrócitos identificados pelo antígeno de superfície O4 (azul)

Trabalho colaborativo

Originalmente, os laboratórios de Marcos Costa, no ICe-UFRN, e da doutora Claudia Banchio, no Instituto de Biología Molecular y Celular de Rosario, se uniram para investigar os possíveis papéis dos lipídeos bioativos sobre a especificação dos progenitores neurais durante o desenvolvimento do sistema nervoso central.

Para isso, foi identificado que o modelo de cultura de células neurais seria o mais apropriado para testar a hipótese dos pesquisadores. O passo seguinte foi realizar os experimentos com a adição de lipídeos bioativos e a quantificação de neurônios e células gliais (astrócitos e oligodendrócitos).

Após verificar que a fosfatidilcolina e a fosfoetanolamina alteravam as porcentagens de neurônios e células gliais em nosso sistema, os cientistas iniciaram os experimentos de vídeo-microscopia de tempo-intervalado que permitiram demonstrar o efeito dos lipídeos sobre células pós-mitóticas.

O próximo passo será avaliar se a complementação com fosfatidilcolina ou fosfoetanolamina pode favorecer a reprogramação celular, isto é, a transformação de um tipo celular em outro – por exemplo: converter astrócitos em neurônios.

O laboratório de Marcos Costa, no ICe, tem uma vasta experiência com técnicas genéticas de reprogramação de células gliais em neurônios, que recebem a denominação de neurônios induzidos (iNs). Ele e inúmeros outros pesquisadores mundo afora observam que a maior parte dos iNs se degeneram rapidamente após o processo de reprogramação.

“Nossa hipótese é que a complementação com fosfatidilcolina possa aumentar a sobrevivência dos iNs e, desta forma, aumentar a eficiência do processo de reprogramação celular”, completa Marcos.

 

Microscópio motorizado e com sistema de incubação para cultivos celulares permite o acompanhamento dos fenômenos celulares em tempo real através da técnica de vídeo-microscopia de tempo intervalado.

 

Resultado esperado

Em curto prazo, este trabalho tem um impacto significativo na área da Neurobiologia, pois indica a necessidade de uma revisão na interpretação de outros trabalhos da literatura que utilizaram manipulações extracelulares para alterar a diferenciação neuronal ou glial.

Os resultados publicados na Scientific Reports sugerem a reinterpretação de pesquisas anteriores que não consideram a possibilidade de que células em diferenciação ainda sejam plásticas. “Nossos resultados indicam que esta possibilidade deve ser considerada. É possível que a simples reinterpretação de alguns resultados já publicados na literatura possa indicar novas estratégias para a reprogramação celular”, explica.

Pensando em longo prazo, a pesquisa pode contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias que objetivam a conversão de células gliais em neurônios no cérebro de indivíduos adultos. “Ao contrário de neurônios, as células gliais são constantemente geradas de maneira difusa no sistema nervoso central de mamíferos adultos. Portanto, é possível que estas células sejam convertidas em neurônios através do uso de lipídeos bioativos ou a combinação destas moléculas e outras intervenções”, diz Marcos.

 

A publicação

De acordo com o neurocientista, o artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature, é fruto de uma parceria internacional de grande importância para pesquisa brasileira. Seu reconhecimento demonstra a necessidade de continuação das políticas de valorização da ciência e fomento às parcerias internacionais colocadas em prática nos governos Lula e Dilma.

“Infelizmente, a maior parte destas políticas vem sendo sistematicamente destruída pelo governo atual, com reduções drásticas dos recursos para a ciência. Por este motivo, esta publicação nos traz muitas alegrias, mas não dissipa a nossa inquietação diária com os rumos da pesquisa no ICe e no Brasil”, conclui Marcos Costa.

Veja pesquisa na íntegra:

https://www.nature.com/articles/s41598-017-18700-4