Fórum Delta9 discute avanços no uso medicinal da maconha

Legenda: Público aproveitou para tirar dúvidas sobre o tema

Mais de 100 pessoas participaram, na última sexta-feira, 17, da 2ª edição do Fórum Delta9 – maconha e a comunidade realizado pelo Coletivo Delta9, Pró-reitoria de Pesquisa (Propesq/UFRN) e Instituto do Cérebro (ICe/UFRN). O evento, realizado no auditório do Instituto Ágora (UFRN), contou com palestras dos advogados Gabriel Bulhões e Cristiano Maronna, dos médicos Fernando Tófoli e Pedro Mello, do fitoquímico Wolfgang Harand e do neurocientista Sidarta Ribeiro. A discussão foi dividida em dois momentos, sendo abordado pela manhã o âmbito jurídico e à tarde as questões relacionadas aos aspectos medicinais da cannabis.

Legenda: Diretor do Instituto do Cérebro, Sidarta Ribeiro, falou sobre maconha, cérebro e sociedade.

Para o diretor do ICe-UFRN, Sidarta Ribeiro, a maconha é uma grande promessa para a medicina do século 21. “É o antibiótico deste século. Neste momento, a gente tem de lidar é com a desinformação da sociedade, de modo geral, que tem uma posição muito contrária à maconha para tratamentos vários, embora não conheça nada sobre isso”, disse.

Sidarta alerta ainda sobre a necessidade de lidar com o conservadorismo do establishment médico. “Existem muitos médicos que não leram, ou leram e não gostaram, e não estão informados. Neste sentido, a gente precisa fazer mais eventos como este que vão permitir às pessoas que discordam, mas têm boa vontade, de entenderem sobre o tema”, completou.

Legenda: Psiquiatra Fernando Tófoli falou a respeito de políticas públicas sobre a maconha e seu impacto na saúde.

Em sua palestra, o psiquiatra e professor da Unicamp, Fernando Tófoli, trouxe um apanhado de conhecimento sobre a maconha medicinal e seu impacto em tomadas de decisões nas políticas públicas. “O que impede o conhecimento sobre isso? Já existem elementos que permitem que se diga que a maconha tem efeitos fitoterápicos. E sendo uma substância para tratamento, onde ela pode chegar? Onde ela faz mal e onde faz bem? Isso fica prejudicado em termos de busca de conhecimento pelo preconceito e proibição existentes”, enfatiza.

O médico acupunturista, Pedro Mello, trouxe à tona a necessidade da prescrição da cannabis, observando que isso precisa ser discutido com o Conselho Regional de Medicina, assim como com toda a sociedade, bem como propõe o Fórum Delta9. “É importante mostrar que pacientes com critério de prescrição de uso da maconha com possibilidade terapêutica, tenham acesso à cannabis e possam ser acompanhados por um profissional, obtendo autonomia em seu tratamento”, defende.

Legenda: Médico e acupunturista Pedro Mello discutiu a sobre canábica

Incentivador do evento, o pró-reitor de Pesquisa, Jorge Falcão, disse que a construção do conhecimento não acontece com isenção e, neste aspecto, a universidade precisa ter a consciência de seu lado neste debate. “Acredito que enfrentar alguns debates importantes para a ciência e para a sociedade seja papel das instituições”, se posicionou.

Pró-reitor de Pesquisa, Jorge Falcão, destacou importância de apoiar o Fórum

O debate antiproibicionista foi o foco principal do evento. Os idealizadores do Coletivo Delta9 têm mantido esta discussão ativa, com propósito de divulgar o uso da cannabis medicinal, além de denunciar a forma repressiva, encarceraria e violenta que está instituída a política nacional de drogas.

Aos poucos, o Brasil tem avançado quanto às restrições proibitivas. No último mês de maio, a cannabis foi incluída na relação de plantas medicinais da Anvisa. Ano passado, o THC (tetrahidrocanabinol) saiu da lista de substâncias proibidas e há dois anos, o CDB (Canabidiol) já faz parte da lista de substâncias que têm controle especial da agência reguladora.

Na lista de doenças autorizadas a fazer uso do tratamento com maconha, estão, entre outras, a anorexia, depressão, autismo infantil, fibromialgia, esclerose, distonia, dores crônicas, espasticidade muscular, paralisia cerebral, esquizofrenia, dores neuropáticas, Parkinson e transtorno do desenvolvimento.

Questões jurídicas

Legenda: Advogado Cristiano Maronna trouxe para o debate o direito ao uso medicinal da maconha no Brasil

Cristiano Maronna, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), discutiu a necessidade de reconhecer o uso medicinal e terapêutico da cannabis como um direito. Em seu entendimento, a atual política de drogas que proíbe certas substâncias e permite outras é equivocada, pois não proporciona nem saúde, nem redução de danos ou segurança à sociedade.

“Apresentamos a ideia de que as políticas de drogas estão mudando. No mundo todo, as pessoas estão reconhecendo o fracasso desse modelo e tentando construir alternativas. O Brasil não pode ficar para trás, seja no que diz respeito ao uso social, seja no uso medicinal, terapêutico ou para pesquisas científicas”, explicou.

Pensando no interesse do País e tendo em vista que isso já está muito avançado lá fora, Maronna afirma ser preciso correr atrás do tempo perdido e reconhecer que este tabu moral não resolve. “É preciso encarar esta questão com base em evidências científicas”, determinou.

Legenda: Advogado Gabriel Bulhões disse que proibição da maconha sempre foi um falso dilema.

Para Gabriel Bulhões, coordenador estadual do IBCCRIM, a proibição do uso medicinal da cannabis sempre foi um falso dilema. “A motivação para abrir a discussão sobre o tema é visual quando se sabe da existência de uma pessoa enferma se beneficiando deste tratamento. Neste caso, qualquer argumento moral ou legal não pode afastar o bem-estar desta pessoa”, argumentou.

Em sua palestra, ele trouxe um panorama dos tratados internacionais e das leis nacionais, em especial a Lei de Drogas, 11.343. Ainda abordou sobre as regulamentações administrativas feitas pelas Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC/Anvisa). Estes documentos, que tratam da matéria desde 2014, mostram uma evolução neste panorama.

“As estratégias que apresentei são palpáveis e reais e podem ser implementadas hoje, seja por meio de um habeas corpus preventivo, do ponto de vista individual, seja por meio de uma ação ordinária coletiva, dentro deste viés associativista, para permitir um cultivo coletivo da planta”, finalizou.

Casos práticos

Legenda: Fotoquímico Wolfgang Harand apresentou o quadro clínico de seu filho de nove anos, cujo tratamento tem melhorado a partir da utilização da cannabis.

O fitoquímico austríaco Wolfgang Harand entrou em contato com o assunto da cannabis através da doença do filho. Com nove anos, ele possui a síndrome de Miller-Dieker, também denominada lisencefalia, (córtex cerebral liso), por isso, chamada também de “síndrome do cérebro liso”. Por causa da doença, a criança não fala, não anda e não tem tônus muscular, o que resulta, entre sintomas, em epilepsia refratária. O tratamento foi feito com uma gama de remédios autorizados, mas além de não conseguirem controlar 100% a epilepsia, provocaram efeitos colaterais graves que levaram a criança para UTI duas vezes neste ano.

“Eu estava procurando uma alternativa mais eficaz no controle da epilepsia, com efeitos colaterais menos maléficos. No caso do meu filho, a questão dos ossos e do aparelho respiratório. Por este motivo, comecei a estudar a cannabis e procurar soluções através dela”, explicou. Em apenas três meses de uso, as melhoras começaram a aparecer. “Melhorou o tônus muscular, reduziu o número de convulsões e ele já sustenta a cabeça”, contou Wolfgang.

Em sua palestra, o pesquisador apresentou características botânicas e químicas da planta, com introdução básica na fitoquímica da cannabis. Explicou que canabidiol pode trazer riscos, mas também muitos benefícios, como qualquer outro remédio que se usa em casos graves, como no caso do filho dele. “Tudo é veneno, por isso tudo precisa da dosagem certa para não causar perigo”, ponderou.

Legenda: Mais de 100 pessoas participaram da segunda edição do Fórum Delta 9.

Outro caso apresentado no Fórum, foi de uma idosa de 60 anos que ganhou na Justiça o direito de importar sementes da cannabis para fabricar o óleo de canabidiol usado em seu tratamento de Mal de Parkinson. A decisão permitiu ainda que seu filho, que lutou pelo tratamento, plante a maconha em casa para fabricação desse óleo. Os resultados, segundo ele, são satisfatório com retomada dos movimentos do corpo perdidos pelos efeitos da doença.

A autorização, inédita no Rio Grande do Norte, foi assinada pelo juiz Walter Nunes, da 2ª Vara Federal. Ele considerou, em sua sentença, o alto custo do tratamento e a dificuldade de conseguir a planta, apesar de a Anvisa permitir o uso de medicamentos com os princípios ativos da maconha.