Experiências afetam o que conseguimos visualizar

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA

O olho da mente é um nome relativamente pomposo para designar a capacidade que o cérebro tem de visualizar imagens mesmo na ausência de “input” visual. Trocando em miúdos, é a habilidade que temos para “ver” coisas dentro da mente.
Apesar de a neurociência descrevê-lo em termos quase impenetráveis, com referências ao córtex visual V1 e ao núcleo lateral geniculado, o olho da mente é uma noção filosoficamente carregada, que enseja interessantes polêmicas intelectuais.
Como Steven Pinker mostra em seu “How the Mind Works” (como a mente funciona), uma longa tradição de filósofos empiristas tentou argumentar que as imagens geradas pelo olho da mente constituíam a base de nossos conceitos e até dos significados das palavras que constam de nosso dicionário mental. Em suma, essa visão interior seria a essência do pensamento humano.
Para esses pensadores, as imagens mentais seriam versões compósitas de diferentes sensações visuais. Mais do que isso, as diversas experiências de cor é que me fazem criar a categoria cor.
Evidentemente, o quadro é bem mais complicado. Para prová-lo, basta evocar uma ideia abstrata simples, como a de triângulo. Qualquer polígono de três lados é um triângulo. Mas a imagem de um triângulo precisa necessariamente ser a de um triângulo isóceles, escaleno ou equilátero. Qual delas corresponde ao verdadeiro conceito de triângulo?
O idealista radical George Berkeley (1685-1753) captou bem o problema, mas em vez de abandonar a noção de que ideias abstratas são imagens, preferiu concluir que ideias abstratas não existem.
A tese da imagem como guia mestra do pensamento era especialmente tentadora para os empiristas, que resumiam a teoria do conhecimento no adágio: “não há nada no intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos”. E, se há algo que a moderna neurociência faz com eficácia é contestar essa premissa. À luz do que sabemos hoje, faz mais sentido afirmar que pensamentos e emoções afetam as nossas experiências sensoriais do que o contrário.

Fonte:
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe3105201102.htm