Uma luz no fim do túnel

Pesquisa desenvolvida no Instituto do Cérebro da UFRN abre portas para regeneração de células que podem devolver a visão em patologias irreversíveis

Doenças degenerativas da visão são as principais causas de cegueira no mundo. Estima-se que em 2015, 36 milhões de pessoas deixaram de ver e as projeções para o futuro são de que este problema tende a triplicar.

Nos EUA, a retinopatia diabética, uma das muitas retinopatias degenerativas, é a principal causa de cegueira em pessoas com idades entre 20 e 74 anos. O Brasil não possui dados exatos, mas acredita-se que este mal atinja cerca de 2 milhões de pessoas.

Retinopatias são lesões não inflamatórias da retina ocular. Assim como o glaucoma, a neurite óptica, entre outras, são doenças que não têm cura. Alguns tratamentos e cirurgias impedem o avanço, mas não recuperam a visão perdida. Isso só acontece, em alguns casos, através de transplante.

A ciência tem apostado na regeneração celular como solução contra a cegueira. Muito já foi divulgado sobre o assunto, mas um estudo publicado por pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN), em parceria com o Instituto Metrópole Digital (IMD/UFRN) e o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, representa um grande passo nesta corrida.

Com o título “Evidência da conversão de Müller glia em células ganglionares da retina usando Neurogenin2”, a pesquisa publicada no jornal suíço Frontiers in Cellular Neuroscience mostra ser possível converter células gliais de Müller (MGCs)  em neurônios com características típicas de neurônios da retina, tais como fotorreceptores e células ganglionares.

 

Expressão de NEUROG2 induz a aquisição de fenótipos semelhantes a RGC em iNs derivados de MGC

 

As glias de Müller, tipo de células gliais da retina que levam esse nome por terem sido descritas em 1851 por Heinrich Müller, são encontradas na retina de vertebrados e têm papel de suporte dos neurônios da retina.

Estudos anteriores  haviam demostrado que as MGCs podem retomar a proliferação na retina lesada de camundongos adultos. Mas este processo é muito lento se comparado com reparação tecidual na retina de peixes adultos, onde as MGCs praticamente regeneram toda a retina após uma lesão.

O novo estudo mostrou que as MGCs de roedores adultos e recém-nascidos podem ser geneticamente reprogramadas em neurônios através da expressão de um único gene exógeno.

“Nós e outros laboratórios conseguimos transformar MGCs em neurônios da retina utilizando apenas um fator de transcrição, conhecido como Ascl1. As MGCs que recebem este fator de transcrição adquirem características de fotorreceptores, células bipolares e amácrinas, mas não de células ganglionares, principal célula perdida no glaucoma. Agora, identificamos outro gene capaz de fazer isso”, afirmou o neurocientista Marcos Costa, coordenador da pesquisa.

O resultado do estudo, desenvolvido exclusivamente no Instituto do Cérebro da UFRN durante seis anos, indica que outro fator de transcrição – a Neurogenina 2 – induz a reprogramação de MGCs de roedores pós-natais em células ganglionares da retina in vitro, e retoma a geração deste tipo neuronal a partir de progenitores tardios da retina em animais vivos.

“Essas observações colocam a Neurogenina 2 na lista de genes candidatos para futuras terapias gênicas visando o tratamento da cegueira”, acrescentou Marcos.

O próximo passo, segundo o neurocientista, é mostrar isso em animais modelo para o estudo de glaucoma. O avanço dessa pesquisa poderá contribuir, futuramente, para o desenvolvimento de terapias gênicas em humanos, oportunizando possíveis tratamentos contra as cegueiras ocasionadas por retinopatias degenerativas.